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A estrada (4)

Levantou-se amarrotado e cansado; uma noite sem dormir tem destes encantos. Frente ao espelho, barba feita e banho tomado, continuava a pensar no motivo que lhe tirou o sono. A notícia da aldeia reconvertida deixou-o desconcertado, avivou-lhe um período da sua vida que terminou da pior maneira. Custou-lhe o emprego, a saúde, por pouco a sanidade. Demorou para lá de dois anos a levantar-se, a chegar ao dia anterior àquele. A música ajudou, os amigos também; lentamente o tempo foi depondo camadinhas de indiferença e vida tomou um inesperado mas agradável curso. Tornou-se músico profissional; as aulas de viola e violoncelo de quando era miúdo, serviram para naquela fase negra se agarrar a um velho contrabaixo comprado na Feira da Ladra e passar tardes perdidas em casa a fustigar as cordas ao desgraçado. Com o tempo, porque não era burro nem feito às canhas, tomou-lhe o gosto e aprimorou-se. Em menos de uma gravidez, nasceu um músico razoável, merecedor de contratos esporádicos para tocar aqui e ali e, mais tarde, entrar para uma banda de jazz. Tudo corria lindamente e agora tudo voltara ao inicio; porque é que me deu para jantar em casa!

Tomou o pequeno almoço e saiu de casa a correr. Passados três dias ainda não dormia à noite, a sua música estava uma merda, roçou o carro ao entrar numa garagem e não conseguia pensar noutra coisa. Quando desatou a chorar por ver um pedinte a dormir debaixo de uma sacada, decidiu por um fim a este estado de coisas. Tinha de ir à aldeia.

(continua)

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