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Mensagens

A mostrar mensagens de novembro, 2006

Há 39 anos...

Há 39 anos, uma jovem, cansada de chorar e de se contorcer com dores e pavores, dava à luz, soltava para o mundo, o seu primeiro filho. Passada a comoção, descansadas as carnes doridas, olhou o menino e sentiu que era só seu. Ainda hoje diz não conhecer bebé mais bonito que aquele que, tão moça, segurava nos braços. Pena foi que tivesse degenerado, para agora ser o que se não conhece e parecer exactamente o que é. Percorridos 39 anos, com um passado que apenas pode lamentar e um futuro que o tem indiferente, vive o presente para quem, com ele, o presente vive. Nos braços habitam futuros, na cabeça o desespero, no coração o amor universal, com cantinhos para os presentes.

Postal de Natal

Recebi um powerpoint com 20 magníficas fotos da índia, suas gentes e paisagens. Perto do final da apresentação encontrei esta, talvez a melhor das 20 fotos e sem dúvida, para mim, aquela que melhor retrata a índia: um continente onde a beleza arrebatadora trás consigo sofrimento sem igual. Do arrepio que senti com o penetrante olhar das crianças ao postal que têm à frente, foi um instante. Por isso, aproveita: Compra muitas prendas. Deita os plásticos fora. Janta bem. Fica quentinho. Deixa as migalhas na mesa para os anjinhos. Convence-te que o importante é a família.

Grandes zigurates

Recebi a tua mensagem: ‘Grandes zigurates’, dizias. Perdoar-me-ás que te trate por tu, pois aqui só há eu que escrevo e tu, que somos todos, que lemos o que eu, que também podes ser tu, escrevo. Recordo-me que quando era pequeno, uma viagem a qualquer lado, independentemente das estradas más ou dos automóveis manhosos, demorava uma eternidade. Havia tempo para ver casas, curvas, árvores, mais curvas, subidas e descidas; havia tempo para dormir um sono embalado pelo empredrado, deitado no banco de trás e sem cinto de segurança. Como eram seguras essas viagens, o desconhecido era objecto de curiosidade, a distância dava gosto, o tempo que se vencia a 30 à hora sabia a gelado de morango. Ir do Porto à Madalena, Vila Nova de Gaia, era coisa para 50 minutos; passa a ponte, sobe pela rua das caves, segue por lá fora até Coimbrões, mete pela 109 e vira logo para a Madalena. Mas ainda estamos cá em cima, é preciso passar por cima da linha do combóio ( – Acelera, mãe!), continua a descer, passa

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Há uma fúria silenciosa que me quer dominar; Há uma vibrante melancolia que me fascina; Há um desejo permanente de abandonar A linha das convenções. É o abismo da ponte que me chama; É o combóio veloz que me suga a alma; É a recta e é a curva que me desafiam. E se eu saltar; e se eu me atirar; e se eu trambolhar? Que liberdade alcançarei! Que vórtice me encherá! Que estrondo me despertará!

Miguel

O Miguel é um bem disposto. Apesar de ter nascido sem um olho, fez-se um puto forte, seguro de si e resoluto. Rapaz prático, rapidamente tratou de retirar vantagem do infortúnio, camuflado sob uma prótese de cerâmica. Óh Miguel! Tiras o olho e eu dou-te um cigarro. E o Miguel, tirava. Expunha o espaço vazio, dum vermelho vivo e estranho. Assustava as raparigas e chocava professores incapazes de compreender, como ele compreendia, como eu passei a compreender, que ao Miguel não faltava olho nenhum. Nem lhe doía, nem lhe era repugnante; era para ele como ter uma unha preta, e era muito menos marcante que apanhar bexigas e ficar com a tromba cheia de buracos. Um dia, íamos para a escola no trolley de dois andares, cheio, a abarrotar. O Miguel tira o olho e lança-o ao ar pela escada de acesso ao primeiro piso; o olho de vidro sobe e desce, para ficar nas mãos do dono. Repete a façanha umas quantas vezes. Um senhor, todo incomodado com o que via, perguntou-lhe que raio estava ele a fazer, a

O homem da praia (8 e último)

O Adélia Maria esfumou-se e com ele terminou para o homem da praia a faina maior. Até voltava, mas o declínio da indústria, os stocks exauridos, a concorrência de frotas melhor apetrechadas, condenaram a frota portuguesa de bacalhau a um lento mas seguro esquecimento. Ficam as memórias dos que por lá passaram, enquanto por cá andarem e fica o Museu marítimo de Ílhavo. Edifício que pela sua arquitectura apenas merece demorada visita; por ser a memória da faina maior, merece o nosso carinho e apoio. Levemos lá os filhos, os avós, para que se entendam, para que não se quebre a linha do ser português, daquele que, como disse o padre António Vieira, tem um palmo de terra para nascer e o mundo inteiro para morrer. Capitaneava um arrastão ao largo da Mauritânia. A passagem para as águas quentes e para os dias fogosos, trouxe-lhe alívio às penas que começava a sentir, fossem as da idade, fossem as medalhas pelos momentos difíceis por que passou. Superou as muitas diferenças que o tipo pesca ap