Pedi-te que me mostrasses o teu zigurate. Correspondeste, e com um "Estou ansiosa", chutaste a bola para o jardim. Do lado de cá, ainda tentei usar o mês de Agosto como desculpa para não o fazer. No entanto crescia a necessidade de escrever, o tempo é pouco, eu sei, mas isso não pode ser razão para deixar de escrever. Apercebi-me que o blog tem mais de dois anos, que começou pequeno, com uma ou duas linhas, a espaços. Foi crescendo e continua pequeno, visitam-no poucos, lêem-no ainda menos. Nem tudo é mau, os anúncios google já renderam USD 4,42, e apenas em quatro meses; não trabalhes, não. Tem mais de dois anos e desde o primeiro post que me perguntam o que é o zigurate, o meu, porque o do Iraque já conhecem. O zigurate é um edifício mental, construído para reforçar a confusão e manter viva a chama.
Vês? já está. Sempre lá esteve, era só ler; posso dar esta explicação como terminada e ir para a cama, que me espera uma semana demoníaca; pouco mais terei a acrescentar ao meu zigurate. Mas, e porque mo pediste, posso alargar a definição, apertando-a, primeiro, ao que é, depois, ao que acho, e, no fim, ao que espero.
Começo pelos do Iraque. Historicamente, um zigurate é um templo, uma morada divina, um empório onde se tocavam deuses e homens. Os povos da Mesopotâmia, que cremos terem sido os criadores da civilização que hoje nos lança para o espaço, Caldeus, Babilónios, Assírios, Sumérios e outros, criam, como ainda hoje muitos de nós, quem sabe com que razão, quem sabe com que importância, crêem, que os deuses não se limitaram a criar o universo, permaneceram em contacto com a vida dos homens; influenciavam-na manipulando os homens, instando-os, castigando-os, recompensando-os. Assim, estes nossos antepassados a quem devemos mais do que a escrita, a agricultura, o comércio, os ideogramas e a fonética, ou mesmo capítulos basilares do mais lido dos livros, estes que fomos, entendiam ser importante receber bem que os visitava. Prepararam para tal uma morada acima do mundo dos homens, um aposento sagrado colocado no topo de uma torre com sete patamares (teriam muitas torres, setenta vezes sete; mas isto sou só eu a divagar, se é que outra coisa estou a fazer). A ele desceriam deuses e a ele subiriam homens, encontrando-se, por vezes representados num único ser (um rei ou um sacerdote divino). Há os que resistem e são conhecidos, como o zigurate de Etemenanki, na Babilónia, que para alguns autores é referido no Génesis (XI, 1-9), como sendo a torre de Babel. Estes templos tinham outros nomes, reflectindo bem o propósito para que tinham sido edificados; Monte da Casa, Fundamento entre o Céu e a Terra ou Ligação entre Céu e Terra, eram alguns dos nomes pelos quais os zigurates eram conhecidos. Uma outra função destas construções era, a julgar por marcas gravadas no patamar superior, servirem de torre de observação astronómica e astrológica (o mais certo seria não haver distinção entre uma e outra). Lugar muito restrito, seria a parte mais sagrada do templo, edifício mais vasto dedicado a Marduk ou Enki seu filho, a Ninhursag ou a Anu; ou a outros, tantos que seria penoso enumerar ou que eu não conheço.
O zigurate seria pois uma porta, que uma vez aberta, ligaria homens a deuses, tornando-os iguais; era a cópia da mítica montanha AnKi (Céu-Terra), terreno primordial de onde tudo teve origem. Subir ao zigurate era estar com os deuses, ser como eles, ter o seu conhecimento e poder; ter o zigurate presente nas suas vidas, por habitar aquela cidade ou trabalhar no campo a rodeava, confortaria o mau dia do oleiro e amenizaria a pena do lavrador. Para o forasteiro, fosse ele um pastor pouco habituado a cidades e a construções, o zigurate seria incompreensível, um atentado, porquanto só poderia ser uma tentativa furiosa de alcançar deus, e como tal, merecedor de grande castigo. Quão certo estava o pastor hebreu, que (digo só eu), por ali passou, contratado para conduzir gado ou feito escravo, agastado por ver tanta gente diferente da sua, exprimindo-se em línguas que não compreendia. Apenas desconhecia, como poderia conhecer se ainda não o era, que, não tivessem estas grandes civilizações colapsado sobre o peso da sua própria humanidade, dando mais tarde lugar à dele, e a dele, à de roma que é a nossa, e estaríamos agora cruzando estrelas.
Mas o hebreu e o romano não aniquilaram tudo. O Daimon continuou vivo em muitos e dessa forma muitos zigurates resistiram por mais de cinco mil anos e cumprem ainda a sua função. Estão edificados sobre a inconformidade e a incompatibilidade; são variados entre si e, sobretudo vários em si mesmos; nunca pretendem alcançar a verdade e a razão, porque isso os desmoronaria, procuram apenas existir e, existindo apenas, subsistem, intemporais.
Espero, minha amiga de além-mar, que seja esta a explicação que estavas à espera; que te faça, mais do que pensar, te faça cantar.
Subindo as escadas
que partem do céu
O mundo se abre
ao que se escondeu
O amor que não pego
não vejo mas tenho
abre-me os olhos
e afasta meu lenho
Vês? já está. Sempre lá esteve, era só ler; posso dar esta explicação como terminada e ir para a cama, que me espera uma semana demoníaca; pouco mais terei a acrescentar ao meu zigurate. Mas, e porque mo pediste, posso alargar a definição, apertando-a, primeiro, ao que é, depois, ao que acho, e, no fim, ao que espero.
Começo pelos do Iraque. Historicamente, um zigurate é um templo, uma morada divina, um empório onde se tocavam deuses e homens. Os povos da Mesopotâmia, que cremos terem sido os criadores da civilização que hoje nos lança para o espaço, Caldeus, Babilónios, Assírios, Sumérios e outros, criam, como ainda hoje muitos de nós, quem sabe com que razão, quem sabe com que importância, crêem, que os deuses não se limitaram a criar o universo, permaneceram em contacto com a vida dos homens; influenciavam-na manipulando os homens, instando-os, castigando-os, recompensando-os. Assim, estes nossos antepassados a quem devemos mais do que a escrita, a agricultura, o comércio, os ideogramas e a fonética, ou mesmo capítulos basilares do mais lido dos livros, estes que fomos, entendiam ser importante receber bem que os visitava. Prepararam para tal uma morada acima do mundo dos homens, um aposento sagrado colocado no topo de uma torre com sete patamares (teriam muitas torres, setenta vezes sete; mas isto sou só eu a divagar, se é que outra coisa estou a fazer). A ele desceriam deuses e a ele subiriam homens, encontrando-se, por vezes representados num único ser (um rei ou um sacerdote divino). Há os que resistem e são conhecidos, como o zigurate de Etemenanki, na Babilónia, que para alguns autores é referido no Génesis (XI, 1-9), como sendo a torre de Babel. Estes templos tinham outros nomes, reflectindo bem o propósito para que tinham sido edificados; Monte da Casa, Fundamento entre o Céu e a Terra ou Ligação entre Céu e Terra, eram alguns dos nomes pelos quais os zigurates eram conhecidos. Uma outra função destas construções era, a julgar por marcas gravadas no patamar superior, servirem de torre de observação astronómica e astrológica (o mais certo seria não haver distinção entre uma e outra). Lugar muito restrito, seria a parte mais sagrada do templo, edifício mais vasto dedicado a Marduk ou Enki seu filho, a Ninhursag ou a Anu; ou a outros, tantos que seria penoso enumerar ou que eu não conheço.
O zigurate seria pois uma porta, que uma vez aberta, ligaria homens a deuses, tornando-os iguais; era a cópia da mítica montanha AnKi (Céu-Terra), terreno primordial de onde tudo teve origem. Subir ao zigurate era estar com os deuses, ser como eles, ter o seu conhecimento e poder; ter o zigurate presente nas suas vidas, por habitar aquela cidade ou trabalhar no campo a rodeava, confortaria o mau dia do oleiro e amenizaria a pena do lavrador. Para o forasteiro, fosse ele um pastor pouco habituado a cidades e a construções, o zigurate seria incompreensível, um atentado, porquanto só poderia ser uma tentativa furiosa de alcançar deus, e como tal, merecedor de grande castigo. Quão certo estava o pastor hebreu, que (digo só eu), por ali passou, contratado para conduzir gado ou feito escravo, agastado por ver tanta gente diferente da sua, exprimindo-se em línguas que não compreendia. Apenas desconhecia, como poderia conhecer se ainda não o era, que, não tivessem estas grandes civilizações colapsado sobre o peso da sua própria humanidade, dando mais tarde lugar à dele, e a dele, à de roma que é a nossa, e estaríamos agora cruzando estrelas.
Mas o hebreu e o romano não aniquilaram tudo. O Daimon continuou vivo em muitos e dessa forma muitos zigurates resistiram por mais de cinco mil anos e cumprem ainda a sua função. Estão edificados sobre a inconformidade e a incompatibilidade; são variados entre si e, sobretudo vários em si mesmos; nunca pretendem alcançar a verdade e a razão, porque isso os desmoronaria, procuram apenas existir e, existindo apenas, subsistem, intemporais.
Espero, minha amiga de além-mar, que seja esta a explicação que estavas à espera; que te faça, mais do que pensar, te faça cantar.
Subindo as escadas
que partem do céu
O mundo se abre
ao que se escondeu
O amor que não pego
não vejo mas tenho
abre-me os olhos
e afasta meu lenho
Comentários
Eugénia
Permite-me fazer minhas as palavras dos outros dois comentadores. Felicito-te pelo texto e agradeço-te a lembrança de mo recordares pelo hotmail.
Voltarei para te ler com mais tempo assim que o meu PC funcione devidamente.
Um abraço e uma excelente semana