Avançar para o conteúdo principal

Mensagens

A mostrar mensagens de fevereiro, 2006

Para o Paulinho

Há coisas que faladas não são o que queremos; coisas que vistas não são o que parecem. A realidade, o sentido do mundo, está para além dos olhos e da ciência. Por muito que olhes e indagues, que investigues e experimentes, a razão, o sentido, o porquê está sempre para lá de mais e mais perguntas que a ciência tão diligentemente, se encarrega de encontrar. A cada onda vencida, dez se agigantam; como somos limitados, estruturamos, repartimos, racionalizamos; ganha a ciência, porque tem mais para desvendar, perde o sentido da vida, não da nossa, mas da Vida, toda, por nos afastarmos do divino. Por isso não olhes, liberta a mente, esvazia-a; deixa os juízos para traz. Desperta, sem as procurar, para as coisas pequenas; como porque os iranianos chamam Portugal às laranjas, como por detrás dos ritmos africanos do samba, está o fado; como o Markunis tinha a camisola do Rui Costa; como agradecem os japoneses. Coincidência, acaso, dizes; mas foi por acaso que o universo se fez, foi por acaso qu

Hieronymus Bosch

Nasceu por volta de 1540, em Hertogenbosh - Holanda - da qual terá adoptado o nome com que assinaria as suas obras. A sua vida ficou escassamente registada; sabe-se apenas que era devoto de Nossa Senhora, pertencendo a uma Confraria com o mesmo nome. O aprisionamento da luz e os ambientes ricos e pesados que criou, fizeram escola na pintura flamenga do Séc. XV. Sem certeza, julga-se que aprendeu a pintar com um familiar, não se lhe conhecendo escola que o tenha formado. Terá morrido no ano de 1616; uma vez mais sem certezas e tendo apenas disponíveis os registos da confraria a que pertencia. "As Tentações de Santo Antão", obra tão característica da sua técnica, está exposta no Museu Nacional de Arte Antiga, em Lisboa. ? Onde estáveis há pouco, oh Senhor Jesus? Por que não viestes a mim então, para me socorrer e curar as minhas feridas? ? Antão, eu estava aqui, mas queria ver-te lutar. E agora que tu travaste a boa luta espalharei a tua glória por todo o mundo.

A estrada (2)

A noite principiava de forma diferente do habitual; como não tinha actuação marcada decidiu jantar em casa, coisa rara pois que a única refeição que fazia regularmente em casa era o pequeno almoço; habituou-o a mãe a não sair de casa sem ele e assim se mantinha, mesmo depois de dez anos a viver sozinho. Sentado à mesa, provou o bife, grelhado, fumegante, temperado com modéstia no sal e arrojo no azeite aromatizado pelas malaguetas e folhas de louro. Provou o vinho, tinto, alentejano, se calhar demasiado robusto para um simples bife com batatas fritas e puré de maçã, mas mesmo assim adequado. Pousou o copo e veio-lhe à memória o pai. Sorriu e ligou o televisor para encher a sala. O pivô do telejornal, qual cesteiro tarimbado, introduzia à boa maneira televisiva, profissional e distante, a transformação de uma aldeia serrana, há muito abandonada pelos seus habitantes, num empreendimento agro turístico, ou de turismo rural, ou lá como se chama. Era um daqueles sítios onde o citadino podia

A estrada (1)

Estava um dia quente, muito quente. O sol estendeu um manto grosso que sufocava gente e bichos, uma camisa acabada de passar que nunca arrefecia e fazia transpirar, um calorífico desregulado que, em Março, alguém se esqueceu de desligar. O céu, azul de ponta a ponta, deixava entrar a luz a rodos; as casas e as coisas, saturadas de luz, repeliam a que a sua pigmentação não conseguia, ou não queria, segurar, empurrando-a para os olhos, aos magotes, saturando a glândula pineal, trocando as voltas ao cérebro. Como dois é companhia e três é multidão, calor e luz mandaram a aragem dar uma volta, e se ela, de onde a onde, se mostrava, não era como rival enciumada a querer arrefecer a relação, mas antes como casamenteira, a aconchegar, a sussurrar aos presentes, animados e inanimados, a solidez daquela união. Subia o músico a calçada. As pedras mal assentes, indiferentes à sola fina dos vitorinos, torturavam-lhe os pés com finíssimas pontadas; apertados os pés e apertado o músico por os ter co