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A mostrar mensagens de janeiro, 2006

O sonho

Vi-te morta. Estava a dormir. Foi em sonho, Mas não importa. Apertou-se-me o peito ao sentir a tua pele fria; O teu suave respirar que já não existia. Estava a dormir e não sabia se eras tu ou o teu amor que morria. Vejo-te prostrada, esventrada. E a faca ensanguentada, Diz-me que estás morta. Sei que a meu lado respiras. Que posso ver o teu rosto, Entre os cabelos que caem em tiras. Horrorizo, estremeço. Pulo na cama e volto ao começo. É tudo tão falso, a faca, o sangue, chegas a rir. Mas basta-me imaginar-te morta para contigo querer partir. Se respiro, é por ti. Se amo meus filhos, é porque são teus. Se te vejo morta, mesmo a dormir, é o fim. Hypnos, larga-me! Larga-me, já disse; Que sono assim não é descanso, mas tortura, aldrabice. Estás aqui porque queres, acordas quando quiseres. Será mesmo dor, a dor que sentes?

Canção (de Fernando Pessoa)

Silfos ou gnomos tocam?... Roçam nos pinheirais Sombras e bafos leves De ritmos musicais. Ondulam como em voltas De estradas não sei onde Ou como alguém que entre árvores Ora se mostra ou esconde. Forma longínqua e incerta Do que eu nunca terei... Mal oiço e quase choro. Por que choro não sei. Tão tênue melodia Que mal sei se ela existe Ou se é só o crepúsculo, Os pinhais e eu estar triste. Mas cessa, como uma brisa Esquece a forma aos seus ais; E agora não há mais música Do que a dos pinheirais.

Copernico

De forma um pouco melodramática, poder-se-á dizer que quando Nicolau Copérnico, em 1543, expirou, o fez segurando finalmente o seu: “Das Revoluções dos Mundos Celestes”. Nesse dia seriam enterrados Copérnico e o geocentrismo, concepção do universo de Ptolomeu, ou que Ptolomeu deixou aos vindouros, que afirmava ser a Terra o centro do universo e os planetas, Sol e estrelas, deslocarem-se em órbitas concêntricas desta. Apesar de proibida, a obra de Copérnico, foi difundida pelos astrónomos europeus renascentistas e, no que tinha de errado, a imobilidade do sol e a circularidade das órbitas planetárias, foi fermento, pulga, fome. Keppler alicerçado nas extensas medições astronómicas de Tycho Brahe, apercebeu-se que a confirmação matemática que procurava para o heliocentrismo era impossível de atingir por estar em conflito com os dados que dispunha resultante das observações e medições cuidadas do seu mestre. Em breve, publicaria “Epitome Astronomiæ Copernicanæ”, obra onde exara as três le

Faunos

Por vezes dou comigo a pensar na morte da bezerra, em como as cegonhas saíram a ganhar com os postes de alta tensão, como o Afonso se encaminha para a adolescência de forma enfunadamente serena, como a Leonor tem tanto de espevitada como de graciosa, de quanto se agiganta o meu amor pela Isabel nos momentos em que estamos longe, e, lá para o fim de uma longa lista de pensamentos capitais, como é belo o sol que se põe. É geralmente por essa altura, frente a frente com o sol, que ouço as flautas dos faunos no vento que se encaracola nas minhas orelhas arrebitadas. Tão leve é a sua música que nem sei se é música ou sequer se existe. Pode não existir mas está lá e eu ouço-a. Logo o horizonte se demarca da sua função e passo a ver para lá dele, seguindo o curso do sol. Céu e mar separam-se, abrem a grande porta para além da qual deixam de existir dúvidas e carências. De lá sai Tétis, ou Káli, ou Maria, tanto faz. Não a vejo, ofuscado pelo sol, apenas a imagino, a chamar-me, a querer mostrar