Era uma vez uma mãe pata e um pai pato. Juntos fizeram um ninho onde a mãe pata colocou quatro ovos. Estes patos não eram uns patos quaisquer, não senhor, eram patos reais, senhoriais e territoriais. Tinham uma capoeira só para si no meio de um grande cercado e acesso exclusivo ao lago. Por cima do portão da entrada, o pai pato mandou gravar uma lápide com a sua real origem:
Reino: Animalia;?Filo: Chordata;?Classe: Aves;?Ordem: Anseriformes;?Família: Anatidae.?Era primo afastado do Tio Patinhas e a mãe pata filha de um mandarim chinês muito famoso.
Reais que eram os pais, também os ovos o eram, e todos os cuidados eram poucos para que os patinhos e patinhas dentro deles se desenvolvessem nas melhores condições. O ganso mudo, bicho de poucas falas, inspeccionava os ovos diariamente. Médico licenciado pela universidade dos bichos, escutava ovo a ovo com um estetoscópio de ovos e colocava-os contra o sol para, aproveitando a translucidez natural das cascas finas, confirmar o vigor dos patitos que no seu mundinho, cresciam e imaginavam como seria a vida para lá da casca. Dependendo das espécies, se maiores ou mais marrecas, um ovo de pato demora entre 28 e 32 dias a chocar, isto é, a sair um patinho amarelo de dentro dele. Para o real casal não iria ser diferente. A mãe pata sentada no ninho, cobrindo os ovos com muito cuidado para não os quebrar, apenas se levantava para a inspecção médica e claro, para ir à casa-de-banho. Os dias de chocadeira podiam ser longos e o pai organizou sessões de leitura e bisbilhotice com as galinhas poedeiras, espectáculos com os marrecos acrobatas e concertos de música clássica pela orquestra de câmara das narcejas.
28 dias tinham passado e a mãe pata sentiu os ovos a tremelicar por baixo de si. Chamou a camareira, que chamou o pai pato, que chamou o mordomo, que chamou o médico. Quando o primeiro patinho furou a casca, alargou o buraco e colocou a cabeça de fora do ovo, ficou confuso por ver tantas caras diferentes e não saber qual delas era a da mamã. Não demorou muito até a mamã pegar nele com muito carinho e lhe alisar as penugens. Outro patinho, ou melhor, patinha, furava a casca e saltava cá para fora. Foi o pai pato que a recebeu e pegou ao colo. O terceiro patinho partiu a casca e recebeu igual carinho. Só faltava um ovo. Estava muito quieto e não parecia sequer rachado. O pai pato preocupado pediu ao ganso médico que o examinasse uma última vez. O velho ganso pegou no ovo e, erguendo-o contra a luz do sol que entrava pela janela, desatou à gargalhada; está a dormir, o malandreco! A dormir? Disse o pai pato, zangado. E dito isto, deu um piparote no ovo que acordou o patinho.
(continua)
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