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Para o Paulinho

Há coisas que faladas não são o que queremos; coisas que vistas não são o que parecem. A realidade, o sentido do mundo, está para além dos olhos e da ciência. Por muito que olhes e indagues, que investigues e experimentes, a razão, o sentido, o porquê está sempre para lá de mais e mais perguntas que a ciência tão diligentemente, se encarrega de encontrar. A cada onda vencida, dez se agigantam; como somos limitados, estruturamos, repartimos, racionalizamos; ganha a ciência, porque tem mais para desvendar, perde o sentido da vida, não da nossa, mas da Vida, toda, por nos afastarmos do divino. Por isso não olhes, liberta a mente, esvazia-a; deixa os juízos para traz. Desperta, sem as procurar, para as coisas pequenas; como porque os iranianos chamam Portugal às laranjas, como por detrás dos ritmos africanos do samba, está o fado; como o Markunis tinha a camisola do Rui Costa; como agradecem os japoneses. Coincidência, acaso, dizes; mas foi por acaso que o universo se fez, foi por acaso que o João encontrou a Júlia e nos tiveram, aos três. O acaso fez do João um espinosista (Deus sive natura), e da Júlia uma seara de amor. E é neste e noutros acasos que a natureza das coisas nos é revelada, de forma fugaz, como ecos de silfos e reflexos de ondinas. A porta de que te falo, não se vê, não se procura, não se mostra a ninguém; vem ter connosco, de mansinho, afaga-nos a alma escura, a que procura, tonta, o que não lhe serve. E quando tal, sentimos, não vemos, que na fria linha do horizonte, há montes, árvores, flores e cheiros, animais, vida. Então Paulo, levanta-te. Acorda. Porque se ainda por acaso quis Deus (falta-me palavra melhor), que Portugal fosse a luz do mundo; pois que se cumpra Portugal!

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