Sentou-se num banco de pedra ao lado de uma biquinha de água. Nem viu como era bonita a construção centenária. Cravada na encosta que rematava um dos lados da estrada, a bica alimentava um tanque. Uma santinha guardava as águas que caíam e a mimosas que cresciam desordenadas davam sombra e frescura num dia em que ambas eram escassas. A passarada piava animada; eles chamavam-nas a elas e repeliam-nos a eles, numa cantoria que só pássaro entende. O músico, estafado, pronto a desistir e a voltar noutro dia com equipamento de montanha, aos poucos recobrou o físico mas não o espírito. Que estava ele ali a fazer? Já tinham passado mais de dois anos, tanta coisa pode mudar em dois anos. E se, chegado, não souber dizer as coisas como deve ser, se as coisas não puderem ser ditas como devem ser ditas. O mal foi feito e nada, há dois anos, ou agora, foi feito para o desfazer. Ou mesmo o atenuar. Custou tanto, tanto. Deu em tolo, zangou-se com toda a gente, família, perdeu amigos. Deitou-os fora é que foi, fez asneiras. Saiu delas, terá agora forças para, se cair, tornar a levantar-se?
Quem passasse via um homem prostrado, vencido pelo calor e pelo caminho, a recuperar pacificamente a sua condição. Nada mais falso, como Siddartha debaixo da figueira, lutava contra os seus medos, armado apenas com o desejo que nunca o deixou. Cego e surdo à paisagem e aos pássaros, não viu como uma bicicleta passou à sua frente, a descer a toda a brida, nem ouviu, metros adiante, o derrapar dos pneus e o pião na gravilha. Não ouviu também o pedalar mais pesado indicando subida. Ouviu apenas o seu nome e a pergunta que não queria ter de ouvir.
? Rui. Que fazes aqui?
? Raquel. Vi-te na televisão e desde essa noite que só penso em ti e como te amo.
Ela deixou cair a bicicleta e abraçaram-se. Por entre beijos e lágrimas, ela perguntou-lhe porque tinha ele fugido. Ele disse que fugiu porque só assim poderia guardar o seu amor por ela. Ela sorriu e falou-lhe ao ouvido que foi um amuo, um arrufo. Que lhe caiu o mundo quando no dia seguinte o procurou em vão e soube mais tarde que ele tinha partido. Julgou que tivesse outra, que já não a amasse. Não, não, disse ele, fugiu porque achava que ela já não o queria.
? Fiquei sempre com o teu amor. Depois de ti, só o contrabaixo.
? Contrabaixo? És músico?
? A minha vida mudou tanto. E a tua? Como vieste cá parar?
? Eu conto-te tudo. Tens tempo, Rui?
? A vida toda, Raquel.
Quem passasse via um homem prostrado, vencido pelo calor e pelo caminho, a recuperar pacificamente a sua condição. Nada mais falso, como Siddartha debaixo da figueira, lutava contra os seus medos, armado apenas com o desejo que nunca o deixou. Cego e surdo à paisagem e aos pássaros, não viu como uma bicicleta passou à sua frente, a descer a toda a brida, nem ouviu, metros adiante, o derrapar dos pneus e o pião na gravilha. Não ouviu também o pedalar mais pesado indicando subida. Ouviu apenas o seu nome e a pergunta que não queria ter de ouvir.
? Rui. Que fazes aqui?
? Raquel. Vi-te na televisão e desde essa noite que só penso em ti e como te amo.
Ela deixou cair a bicicleta e abraçaram-se. Por entre beijos e lágrimas, ela perguntou-lhe porque tinha ele fugido. Ele disse que fugiu porque só assim poderia guardar o seu amor por ela. Ela sorriu e falou-lhe ao ouvido que foi um amuo, um arrufo. Que lhe caiu o mundo quando no dia seguinte o procurou em vão e soube mais tarde que ele tinha partido. Julgou que tivesse outra, que já não a amasse. Não, não, disse ele, fugiu porque achava que ela já não o queria.
? Fiquei sempre com o teu amor. Depois de ti, só o contrabaixo.
? Contrabaixo? És músico?
? A minha vida mudou tanto. E a tua? Como vieste cá parar?
? Eu conto-te tudo. Tens tempo, Rui?
? A vida toda, Raquel.
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