A minha avó paterna nas suas Histórias Verdadeiras, contava-me ao deitar retratos da sua vida. Vida vivida num tempo distante do tempo de um menino nos anos 70 e a anos-luz do tempo que hoje vivemos. Certo dia contou-me algo que deixou o povo do Porto em alvoroço e foi causa de cheliques, achaques e fanicos.
Disse-me ela: – Tinha ido ao Porto, como fazia todos os meses, quando, por volta das três da tarde, o céu começou a ficar escuro. Os pássaros tontos com a falta de luz voavam o mais rápido que podiam para as árvores em grande chinfrineira. As pessoas paravam nos passeios e nas ruas, voltavam-se umas para as outras sem saber o que dizer ou fazer. Passada uma meia hora, o dia ficou escuro como breu e até os carros que por vezes passavam tinham que acender as luzes. Muitos gritavam o fim do mundo, senhoras finas e do povo desfaziam-se em lágrimas e caíam desmaiadas. Outras mais tolas, berravam que era a fome, peste e guerra que se aproximavam. Uma leiteira chorava porque se lhe azedou o leite. A guarda nada dizia, estavam tão assustados como as outras pessoas e não sabiam responder às perguntas do povo alvoraçado. Eu ia com o teu tio António e ele, tão assustado quanto eu, agarrou-me pelo braço e levou-me para a porta do Banco de Portugal. Aí ficamos abrigados, a tremer de frio, à espera que a noite acabasse.
– A minha avó, o tio António e o restante povo nunca souberam, naquele início de Século (17 de Abril de 1912), que tinham vivido um relativamente raro e sempre espectacular eclipse total do Sol. Hoje, ao ver na televisão, miúdos e velhos, lado a lado, em perfeito entendimento do fenómeno astronómico, uns com óculos comprados na farmácia, outros com máscaras de soldar, em paz, exclamando, – Olha agora; que lindo!, deixou-me feliz para além do resultante de observar, pela segunda vez um eclipse com um filho pequeno ao colo. Houve divulgação prévia, foi explicado em termos simples em que consistia o fenómeno, organizaram-se eventos por todo o país e cativaram-se as pessoas para o acompanharem. Em vez de gritos, palmas, em vez de fanicos e súplicas a Deus, vivas e exclamações de espanto.
O mundo sempre pula e avança. Talvez não o faça ao ritmo que desejaríamos nem de maneira uniforme e equitativa que a doutrina democrática professa. A pouco e pouco, ora para a frente ora para trás, a humanidade cresce e avança. O medo dá lugar à razão, Deus cumpre com a sua parte, recuando perante a ciência e o povo liberta-se. A escala temporal é tremenda. Somos paramécias que olham as estrelas por cima da poça. Apenas a memória colectiva e o conhecimento da história permitem que nos desprendamos da morte e do esquecimento. Sejamos pacientes e vigilantes.
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