Há meses, talvez anos, que não passava pela Capela das Almas, na rua de S.ta Catarina, e olhava. Há dias passei, e olhei os belíssimos azulejos que só em 1929 foram adicionados à Capela cuja construção data de princípios do Séc. XVIII. Representam a vida e padecimento dos dois Santos lá adorados; S. Francisco de Assis e, claro, S.ta Catarina. Desconheço se S.ta Catarina de Alexandria, mandada decapitar pelo imperador romano Maximus e cujo corpo desapareceu misteriosamente do seu túmulo, para aparecer a milhares de kms de distância, no Monte Sinai, ou S.ta Catarina de Siena, talvez a primeira anoréctica que se conhece, que viveu uma vida de caridade para com os pestilentos e, diz-se, convenceu Gregório XI a deixar Avinhão e regressar o papado a Roma. De S. Francisco de Assis, nada há a dizer, senão talvez, tudo a aprender.
Dizia que passei pela Capela e olhei. Olhei e fiquei inquieto com a revelação que me faziam os azulejos; os anjos têm umbigo. Não sei se todos o têm, mas aqueles têm-no. Lá estavam eles, emoldurando a glória dos Santos, amparando o seu sofrimento, contando as venerandas vidas aos fiéis ao estilo de banda desenhada. Rechonchudos, de cabelos aos cachinhos, pudicas faixas de pano a cobrir o que é suposto não terem e umbigos plantados em barrigas gorduchas. Andei. E em vez do metro apanhei o passeio. A pensar andava e ao andar pensava. E pensava o qualquer um pensa; que o umbigo, o meu, o teu, o de todos nós, não é mais do que uma cicatriz, a primeira de qualquer mamífero. A marca do primeiro grande sacrifício que se faz e que é nascer. Vou considerar, para benefício da rabulice, que quem primeiro descreveu os anjos e seus compadrinhos, querubins e serafins, e seus irmãos mais velhos, arcanjos, sabia do que falava, talvez por conhecimento próprio, substanciado pela presença dos ditos, ou então, por relato directo e verdadeiro daqueles que conviveram com as angelicais figuras. Tais relatos, descrições, pinturas e esculturas, trespassaram os tempos para chegarem finalmente à ponta do pincel do artista que pintou com tanto valor as cenas no interior e exterior da Capela, e nelas, os cicatrizados anjos. Tendo por verdadeiras as representações de anjos da Capela das Almas, não podemos deixar de nos alarmar com as consequências de tal representação. Façamos a viagem ao contrário e comecemos pelo fim, isto é, pelo umbigo. O umbigo é a marca deixada pelo cordão umbilical. O cordão umbilical une filhos a mães, permitindo que os primeiros se alimentem, respirem e desenvolvam dentro das segundas. Se houve um corte, logo houve um nascimento. Neste ponto do trajecto, confrontamo-nos já com duas conclusões inquietantes; os anjos nascem e têm mãe. Poderíamos imaginar que a mãe dos anjos é um ser tipo formiga ou abelha que vai despejando crias no mundo, umas atrás das outras, mas isso é degradante da condição angelical de tais seres, e, para além de difícil explicação científica, me parece um começo demasiado humilde para ser verdadeiro. Gostaria mais de pensar que, dada a proximidade física connosco, ou nossa com a deles, também os anjos, ou também nós como eles, têm para além de uma mãe, pasme-se, um pai. Terceira conclusão inquietante. A viagem terminaria, aceitando o princípio que diz que havendo várias explicações para o mesmo fenómeno, a correcta será a mais simples de ocorrer. Dessa forma, imagino que se um anjo tem umbigo, nasce, tem mãe e pai. Logo terá sexo diferenciado e saberá fazer uso dele conforme o género. Se para engrandecimento numeral da espécie, se para deleite conjugal ou se para deleite próprio, ou então, se para tudo junto, não o sei dizer. Terei de apanhar outro passeio, talvez mais comprido. Posso dizer sim, que acaba aqui a discussão sobre o sexo dos anjos.
Dizia que passei pela Capela e olhei. Olhei e fiquei inquieto com a revelação que me faziam os azulejos; os anjos têm umbigo. Não sei se todos o têm, mas aqueles têm-no. Lá estavam eles, emoldurando a glória dos Santos, amparando o seu sofrimento, contando as venerandas vidas aos fiéis ao estilo de banda desenhada. Rechonchudos, de cabelos aos cachinhos, pudicas faixas de pano a cobrir o que é suposto não terem e umbigos plantados em barrigas gorduchas. Andei. E em vez do metro apanhei o passeio. A pensar andava e ao andar pensava. E pensava o qualquer um pensa; que o umbigo, o meu, o teu, o de todos nós, não é mais do que uma cicatriz, a primeira de qualquer mamífero. A marca do primeiro grande sacrifício que se faz e que é nascer. Vou considerar, para benefício da rabulice, que quem primeiro descreveu os anjos e seus compadrinhos, querubins e serafins, e seus irmãos mais velhos, arcanjos, sabia do que falava, talvez por conhecimento próprio, substanciado pela presença dos ditos, ou então, por relato directo e verdadeiro daqueles que conviveram com as angelicais figuras. Tais relatos, descrições, pinturas e esculturas, trespassaram os tempos para chegarem finalmente à ponta do pincel do artista que pintou com tanto valor as cenas no interior e exterior da Capela, e nelas, os cicatrizados anjos. Tendo por verdadeiras as representações de anjos da Capela das Almas, não podemos deixar de nos alarmar com as consequências de tal representação. Façamos a viagem ao contrário e comecemos pelo fim, isto é, pelo umbigo. O umbigo é a marca deixada pelo cordão umbilical. O cordão umbilical une filhos a mães, permitindo que os primeiros se alimentem, respirem e desenvolvam dentro das segundas. Se houve um corte, logo houve um nascimento. Neste ponto do trajecto, confrontamo-nos já com duas conclusões inquietantes; os anjos nascem e têm mãe. Poderíamos imaginar que a mãe dos anjos é um ser tipo formiga ou abelha que vai despejando crias no mundo, umas atrás das outras, mas isso é degradante da condição angelical de tais seres, e, para além de difícil explicação científica, me parece um começo demasiado humilde para ser verdadeiro. Gostaria mais de pensar que, dada a proximidade física connosco, ou nossa com a deles, também os anjos, ou também nós como eles, têm para além de uma mãe, pasme-se, um pai. Terceira conclusão inquietante. A viagem terminaria, aceitando o princípio que diz que havendo várias explicações para o mesmo fenómeno, a correcta será a mais simples de ocorrer. Dessa forma, imagino que se um anjo tem umbigo, nasce, tem mãe e pai. Logo terá sexo diferenciado e saberá fazer uso dele conforme o género. Se para engrandecimento numeral da espécie, se para deleite conjugal ou se para deleite próprio, ou então, se para tudo junto, não o sei dizer. Terei de apanhar outro passeio, talvez mais comprido. Posso dizer sim, que acaba aqui a discussão sobre o sexo dos anjos.
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