Recebi a tua mensagem: ‘Grandes zigurates’, dizias. Perdoar-me-ás que te trate por tu, pois aqui só há eu que escrevo e tu, que somos todos, que lemos o que eu, que também podes ser tu, escrevo. Recordo-me que quando era pequeno, uma viagem a qualquer lado, independentemente das estradas más ou dos automóveis manhosos, demorava uma eternidade. Havia tempo para ver casas, curvas, árvores, mais curvas, subidas e descidas; havia tempo para dormir um sono embalado pelo empredrado, deitado no banco de trás e sem cinto de segurança. Como eram seguras essas viagens, o desconhecido era objecto de curiosidade, a distância dava gosto, o tempo que se vencia a 30 à hora sabia a gelado de morango. Ir do Porto à Madalena, Vila Nova de Gaia, era coisa para 50 minutos; passa a ponte, sobe pela rua das caves, segue por lá fora até Coimbrões, mete pela 109 e vira logo para a Madalena. Mas ainda estamos cá em cima, é preciso passar por cima da linha do combóio ( – Acelera, mãe!), continua a descer, passa a cabina onde ficava o 67, mete pelo meio da vila e já se sente o cheiro a pinhal, lá está ele, impenetrável, corta por lá fora e o cheiro muda: sabe a mar, vira à direita, já se vê o parque, olha o Sá Pereira. A viagem pode ainda ser feita pelas mesmas ruas e à mesma velocidade; mas demora um instante. Penso agora que era por sermos pequenos e termos uma percepção diferente do tempo e um encanto pela quebra da rotina do ano escolar e das viagens de autocarro.
Recordo também o monte por trás do bairro. Mudava de cada vez que para lá me aventurava. Ora era refúgio, lugar sagrado, ora era terreno hostil, território inóspito e indomado. Hoje era o bosque soalheiro e amanhã a floresta negra. Lá venci às escondidas, lá perdi ao mata, lá derrubei gigantes e de lá saí tremendo de medo. Só o regresso a casa era sempre o mesmo; para o leite com café de saco e pão com manteiga.
E aqui está, quando dizes ‘Grandes zigurates’, temo que seja a bondade dos teus olhos, que passam pacientemente pelas linhas, antecipando esta e aquela casa, contornado lentamente cada curva, revivida com maior ou menor distância, com maior ou menor dor. Suspeito (sei), que grande é a vontade e a alma que a anima. Sabes, o zigurate é só um, não mais do que um. Múltiplos são os olhares que jogamos na sua direcção. Por isso, quando dizes grandes zigurates, lembra-te que são só olhares; e se são grandes, é porque assim os achas.
Recordo também o monte por trás do bairro. Mudava de cada vez que para lá me aventurava. Ora era refúgio, lugar sagrado, ora era terreno hostil, território inóspito e indomado. Hoje era o bosque soalheiro e amanhã a floresta negra. Lá venci às escondidas, lá perdi ao mata, lá derrubei gigantes e de lá saí tremendo de medo. Só o regresso a casa era sempre o mesmo; para o leite com café de saco e pão com manteiga.
E aqui está, quando dizes ‘Grandes zigurates’, temo que seja a bondade dos teus olhos, que passam pacientemente pelas linhas, antecipando esta e aquela casa, contornado lentamente cada curva, revivida com maior ou menor distância, com maior ou menor dor. Suspeito (sei), que grande é a vontade e a alma que a anima. Sabes, o zigurate é só um, não mais do que um. Múltiplos são os olhares que jogamos na sua direcção. Por isso, quando dizes grandes zigurates, lembra-te que são só olhares; e se são grandes, é porque assim os achas.
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