Há coisas que faladas não são o que queremos; coisas que vistas não são o que parecem. A realidade, o sentido do mundo, está para além dos olhos e da ciência. Por muito que olhes e indagues, que investigues e experimentes, a razão, o sentido, o porquê está sempre para lá de mais e mais perguntas que a ciência tão diligentemente, se encarrega de encontrar. A cada onda vencida, dez se agigantam; como somos limitados, estruturamos, repartimos, racionalizamos; ganha a ciência, porque tem mais para desvendar, perde o sentido da vida, não da nossa, mas da Vida, toda, por nos afastarmos do divino. Por isso não olhes, liberta a mente, esvazia-a; deixa os juízos para traz. Desperta, sem as procurar, para as coisas pequenas; como porque os iranianos chamam Portugal às laranjas, como por detrás dos ritmos africanos do samba, está o fado; como o Markunis tinha a camisola do Rui Costa; como agradecem os japoneses. Coincidência, acaso, dizes; mas foi por acaso que o universo se fez, foi por acaso que o João encontrou a Júlia e nos tiveram, aos três. O acaso fez do João um espinosista (Deus sive natura), e da Júlia uma seara de amor. E é neste e noutros acasos que a natureza das coisas nos é revelada, de forma fugaz, como ecos de silfos e reflexos de ondinas. A porta de que te falo, não se vê, não se procura, não se mostra a ninguém; vem ter connosco, de mansinho, afaga-nos a alma escura, a que procura, tonta, o que não lhe serve. E quando tal, sentimos, não vemos, que na fria linha do horizonte, há montes, árvores, flores e cheiros, animais, vida. Então Paulo, levanta-te. Acorda. Porque se ainda por acaso quis Deus (falta-me palavra melhor), que Portugal fosse a luz do mundo; pois que se cumpra Portugal!
Mesmo não sendo principes, vale muito a pena ler e concluir pela nossa cabeça. Só pela nossa cabeça. MAQUIAVEL, Nicolau. Da crueldade e da piedade — se é melhor ser amado ou temido In: O príncipe. (trad. Olívia Bauduh) São Paulo: Nova Cultural, 1999. (Col. Os Pensadores). Excerto d'O Príncipe (Cap. XVII) de Nicolau Maquiavel Continuando na apresentação das qualidades mencionadas, digo que cada príncipe deve preferir ser reputado piedoso e não cruel; a despeito disso, deve cuidar de empregar adequadamente essa piedade. César Bórgia , embora tido como cruel, conseguiu, com sua crueldade, reerguer a Romanha, unificá-la e guiá-la à paz e à fé. O que, bem analisado, demonstrará que ele foi mais piedoso do que o povo florentino, o qual, para fugir à fama de cruel, permitiu a destruição de Pistóia. Ao príncipe, assim, não deve importar a pecha de cruel para manter unidos e com fé os seus súbditos, pois, com algumas excepções, é ele mais piedoso do que aqueles que, por clemência em dem
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